quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Natali


     Seis horas da manhã de segundafeira, Natali acorda ao som do despertador do celular. Sente  vontade de colocar no modo soneca para dormir mais 10 minutos, se vira para um lado, se vira para o outro e pula da cama, dá um beijo em sua filha de cinco anos e fala baixinho no ouvido dela: “ Ana, hora de acordar”. Então corre contra o tempo, prepara o café da manhã, separa um lanche para Ana, coloca na mochila. Começa a vestir a menina. Coloca uma  calça jeans,  uma  camiseta  preta e  um casaco qualquer, a bolsa pendurada no ombro, em uma das mãos a mochila de sua filha e na outra  a chave do carro, a filha no colo.
             Já são 7 da manhã, as duas estão no carro rumo a creche. Em aproximadamente  uma  hora  Ana  já  estará na creche.
            Natali bate o ponto no condomínio onde trabalha. Nada de  diferente o dia inteiro: varrer, lavar corredores, arrumar a dispensa com produtos de limpeza,  colocar todos os panos de molho no alvejante, esfregar, torcer e colocar na corda.
            As dezessete horas em ponto Natali esta na frente da creche. Cansada com um cigarro na mão,  e programando em sua mente o que faria ao chegar em casa. Roupas para lavar. Banho na Ana.  Limpar  a  cozinha,  que  no  domingo  anterior  que  era  o  dia,  o  qual  faria a limpeza,  estava  cansada para fazer.
            Pronto, Ana veio correndo na direção de Natali, entraram no carro, Natali abriu as janelas da frente do carro, deu a partida e rumo a casa. Quando estavam no meio do trajeto acendeu um cigarro e continuou conversando com Ana de como tinha sido a aula. O que ela aprendeu de novo? Se tinha tema? O trânsito começou a ficar um pouco lento (horário de saída de escola, final da tarde), estava na fila do meio, parou no sinal vermelho quando percebeu que um carro parou ao seu lado, na esquerda, olhou. O vidro do carro ao lado abriu e um homem começou a berrar desesperado, furioso: “PUTA, VAGABUNDA, VADIA, VOCÊ TEM QUE MORRER!” Natali  sem reação, não estava entendendo nada. Abriu o sinal. Andou um pouco, mas logo o trânsito  fez ela  parar. O  carro  parou  ao  lado  novamente,  abriu  o  vidro e  continuou: “  VOCÊ  TEM QUE  MORRER,  PORQUE  TEVE  FILHO  ?  VADIA, MORRE  DE  UMA  VEZ,  QUER MATAR  SUA  FILHA  É?  PUUTTTAAA...” Só então Natali entendeu o porquê que ele a agredia.E assim continuou, ela pegou o celular, pensou em filmar, mas ficou com medo. Se ela filmasse  era  capaz  do  homem  descer  e  a  agredir,  Ana  começou  a  berrar,  “CHAMA  A  POLÍCIA  MÃE,  CHAMA...”, Natali totalmente muda sem conseguir fazer nada e, Ana continuou “ LOUCO, PARA  DE XINGAR MINHA MÃE! “, liga para a polícia mãe, liga !!!
            O trânsito parecia cada vez mais lento. Natali diminuía cada vez mais a velocidade, para  então não parar ao lado dele, até que o trânsito andou e ela o perdeu de vista. Foi para casa  tremendo.
Ana,- perguntou:
Mãe, porque aquele homem estava te xingando? Mãe, você conhece ele?
Natali pensou um pouco na resposta e falou: 
Filha ele me xingou porque SOU MULHER, tenho certeza que ele nunca faria isto se fosse um homem no carro, ou se eu estivesse acompanhada por um homem.
Mãe, mas ele te xingou porque você estava fumando, né?
                                                                                                           LIA FIGAS 


8 comentários:

  1. Sensacional. Um texto que merece uma bela reflexão....

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  2. Uau!!!
    A verdade nua e crua, arrasou!!!!

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  3. Amei o texto. Atual e deixa algumas reflexões importantes. Machismo, agressividade no trânsito, o fato de ficarmos caladas por medo e tantos questionamentos que veem com o tema. Parabéns Lia! Uma baita escolha de tema.

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  4. Que tempos de violência temos vivido.

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  5. É triste demais pensar que fatos como esse acontecem todos os dias... O simples fato de sermos mulheres nos coloca em risco, nessa sociedade patriarcal e machista...

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  6. Machismo, autoritarismo, o se achar superior as mulheres, ainda é algo enraizado em grande parte dos homens, e nós mulheres que estamos nessa linha de frente, sabemos exatamente o quão dificil é ser mulher, esse exemplo que colocaste deve inspirar muitas pessoas para no minimo refletir sobre isso. Triste, lamentavel, mas real.

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